Todos os anos, cerca de seis mil crianças no Brasil nascem com fissura labial ou fenda de palato. Até 2019, os pacientes desse tipo de fissura que se tratassem em Brasília, no Hospital Regional da Asa Norte (HRAN), não contavam com aparelho para a visualização adequada das fissuras. Foi aí que um projeto do Rotary Club de Brasília-Leste entrou para fazer a diferença.
Se não tratadas, essas más-formações geram problemas de fala, mastigação, dificuldades para amamentação, formação da dentição e respiração, entre outros. A fissura pode acometer um embrião entre 4 e 12 semanas de gestação, que é o período de formação da face. As causas podem ser genéticas ou ambientais, incluindo o uso de drogas, álcool, exposição à radiação ou algumas doenças que a mãe possa ter.
“Essa fissura pode acometer apenas o lábio ou pode vir associada no palato também e causar grandes transformações na vida da criança”, aponta Marconi Delmiro Neves da Silva, médico cirurgião-plástico e presidente da Associação Brasiliense de Apoio aos Fissurados (Abrafis).
Vera Lucia Ávila, associada do Rotary Club de Brasília-Leste e atual presidente do clube, conta que já havia uma parceria antiga, de outros projetos, com o HRAN, quando ela ficou sabendo sobre a necessidade de um nasofibroscópio para o tratamento de pessoas fissuradas.
O nasofibroscópio é um aparelho que permite ao médico avaliar o fechamento do palato, conhecido como céu da boca, com a faringe, e mostrar onde está a falha desse fechamento.
“Eu perguntei como se fazia essa avaliação (sem o aparelho) e descobri que era no olho”, destaca Vera. O doutor Marconi detalha um pouco mais. “Era feita apenas uma avaliação clínica, o que a gente chama de exame clínico do paciente”, diz.
Para dar ao hospital e aos pacientes fissurados o aparelho que ajudaria em seu tratamento, o Rotary Club de Brasília-Leste se mobilizou para levantar fundos com outros clubes do Brasil, do México e também com a Fundação Rotária.
No total, foram investidos cerca de US$ 86 mil para a compra de um conjunto de equipamentos que permitem que o nasofibroscópio seja utilizado em diferentes perfis de pacientes. A entrega à Abrafis foi feita em dezembro de 2019.
“O aparelho mostra onde está a falha. O aparelho vai avaliar o fechamento do céu da boca com a faringe. Quando há um fechamento normal, o ar não passa. Já quando a criança tem fenda de palato existe um espaço muito grande entre o palato e a faringe e eles não se fecham. Por eles não se fecharem, fica um espaço. E esse aparelho passa por dentro do nariz, vai lá atrás e mostra exatamente o que está acontecendo, ou seja, onde é o ponto em que eles não conseguem se fechar e, depois da cirurgia, se eles conseguem se fechar de forma efetiva”, destaca o cirurgião plástico.
O tratamento da fissura labial e da fenda do palato é feito tanto em adultos quanto em crianças, mas há diferenças nos resultados que podem ser obtidos. “Na fase adulta, mesmo que a pessoa não tenha sofrido qualquer tipo de intervenção, você pode recuperar muito do que já foi perdido. Mas, uma coisa que é impactante é a fala, a fala fica bem comprometida. Normalmente, quando passa de um período, o cérebro não consegue mais aprender a falar corretamente. Essa é a parte mais difícil”, aponta o médico.
Segundo ele, para que o paciente possa ter uma fala que seja bem compreendida, é preciso que a operação seja feita o mais precocemente possível, até os dois ou três anos de idade. Hoje, há cerca de 300 pacientes fissurados aguardando cirurgia e cerca de 200 pessoas por mês já se beneficiando do uso do nasofibroscópio, que é usando tanto para o pré quanto para o pós-operatório.
Vera diz que fica emocionada ao ver o quanto o projeto contribui para o tratamento dos pacientes. “O projeto também melhora a autoestima, a parte psicológica, ele transforma vidas”, declara.
Para o doutor Marconi, o projeto do Rotary vem “diminuir o sofrimento de uma população vulnerável e esquecida”. “Como o Estado não é capaz de suprir tudo, organizações como o Rotary diminuem esse sofrimento. Imagine o que é passar a infância inteira com uma deformidade que poderia ter sido corrigida, tratada, e não foi”, completa o médico.
Por Aurea Santos, especialista em Comunicação no escritório do Rotary International no Brasil