O que unhas pintadas, um cabelo bem cortado e tingido e uma barba aparada têm a ver com desenvolvimento econômico? Tudo! O mercado de beleza é uma porta aberta a pessoas em situação de vulnerabilidade social que querem se qualificar para ter uma profissão e autonomia. Por isso que, em Santos, litoral de São Paulo, o Salão Escola Autoestima, projeto da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social apoiado pelo Rotary Club de Santos – Ponta da Praia, vem fazendo a diferença na vida de centenas de pessoas.
O projeto existe desde 1992 e recebe apoio do clube desde 1998. Atualmente, conta com duas instalações, a Unidade Mercado e a Unidade Morros. Os salões oferecem cursos de cabeleireiro, barbearia, manicure e design de sobrancelha. Juntas, as duas unidades já formaram 164 turmas e um total de 2.451 alunos.
A Unidade Mercado fica próxima ao Mercado Municipal de Santos. O prédio tem dois andares e as salas totalmente equipadas para os diferentes cursos oferecidos ali. Mas nem sempre foi assim, o salão costumava funcionar em locais pequenos e alugados até que, em 2020, a prefeitura cedeu o atual espaço e fez as reformas estruturais necessárias para que o salão funcionasse. Faltavam, porém, os equipamentos para as aulas e para o escritório. Foi aí que entrou o apoio do Rotary.
Com o investimento de US$ 37 mil, incluindo aportes da Fundação Rotária e do Rotary Club de Zagreb Candor, na Croácia, o clube santista comprou máquinas de corte, pranchas de alisar, cadeiras de cabeleireiro, secadores de cabelo, modeladores de cachos, tesouras, difusores, autoclave, máquinas de corte e de acabamento, armários, cabeças de boneca, escovas, máquina de secar, lixas, alicates, notebook e sugadores de pó, entre outros equipamentos. Com isso, os dois salões ficaram completamente equipados e prontos para as aulas.
“Tudo o que você vê em uso em um salão muito bom eles têm aqui como equipamento que o Rotary comprou”, destaca Vera Baldo, associada do Rotary Club de Santos – Ponta da Praia, que liderou o projeto.
Mudança de vida
Os alunos dos cursos são encaminhados pelos serviços de CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) e CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social). Estes serviços prestam auxílio a pessoas que passam por diferentes situações de vulnerabilidade.
“São situações bem diversas, temos questões com drogas, questões psicológicas, de violência familiar, adolescentes em cumprimento de medida sócio-educativa, mães com crianças em situação de acolhimento”, explica Edivania Silva dos Santos, assistente social e chefe da Seção de Apoio à Geração de Emprego e Renda da Secretaria de Desenvolvimento Social.
O perfil das pessoas encaminhadas para as aulas é amplo, com alguns critérios básicos. É preciso ter no mínimo 16 anos e ter cursado ao menos a quarta série do ensino fundamental. Segundo Edivânia, há alunas na casa dos 60 anos e pessoas que têm até o ensino superior, mas que buscam requalificação para conseguir uma vaga no mercado de trabalho.
É o caso, por exemplo, de Danilo Fernandes. Aos 37 anos e com curso superior em Logística, ele presta serviço como cabeleireiro voluntário em projetos sociais. Viu no curso do Salão Escola Autoestima uma oportunidade de se qualificar como cabeleireiro profissional e traçar um novo caminho em sua vida.
“Sempre fiz trabalho social com corte de cabelo, que aprendi pelo YouTube”, relata. “Hoje, ninguém tem uma profissão certa, a gente tem que correr atrás”, afirma. Depois de fazer o curso de barbearia e atualmente cursando o de cabeleireiro, ele diz esperar ter seu próprio salão.
Madalena Mazagão, de 43 anos, também está fazendo o curso de cabeleireiro, mas ela já fez o de manicure, alongamento de unhas, design de sobrancelhas e, posteriormente, pretende fazer o de barbearia. Mãe de família com três filhos, Madalena tem o ensino médio completo e hoje é dona de casa, mas quer mudar de vida.
“Me vejo na área da beleza. Eu penso em abrir um espaço só meu”, diz. Perguntada se os cursos mudaram sua vida, ela é enfática na resposta. “Mudou completamente, em todos os aspectos. Eu falo que aqui é o meu refúgio, os instrutores daqui são muito bons. Agora, eu me vejo uma empresária na área da beleza”.
Mais que uma profissão
Dizer que o Salão Escola Autoestima oferece uma profissão a essas pessoas é mostrar apenas a ponta do iceberg. Quando se fala em pessoas em situação de vulnerabilidade social, existem muitas camadas a se considerar além da qualificação técnica em uma área de trabalho.
“Recebemos os alunos e vamos conhecendo suas histórias aqui. Temos casos de alunos que nunca tiveram um certificado na vida”, destaca Edivania. Por oferecer oportunidades a pessoas que, muitas vezes, estão tendo sua primeira chance de desenvolvimento, Edivania vê o projeto como algo muito significativo. “Porque tem uma mudança interna, a pessoa chega de um jeito e sai de outro”, afirma.
As histórias de dificuldade ouvidas no salão são repassadas a outros serviços da prefeitura para que estes possam ajudar os alunos em diferentes aspectos de suas vidas, como em casos de violência doméstica, por exemplo.
Mesmo dentro do salão, é possível ir além das habilidades na área da beleza. “A gente trabalha também as questões financeiras, como ensinar a lidar com recursos para a compra de materiais”, explica Edivania. Para os adolescentes, há ainda uma preparação para entrar no mercado de trabalho, com aspectos que vão desde a roupa adequada para uma entrevista até como se portar durante a conversa.
A rotariana Vera aponta ainda a importância que os alunos dão à formatura do curso que, em muitos casos, também é a primeira de suas vidas. “É algo contagiante, porque as pessoas vão com a família e para essa família isso é um ponto de partida”, destaca.
Vera ressalta também o fato de que há professoras que são ex-alunas, mostrando que o envolvimento das pessoas vai além da conclusão do curso. “Você vê o crescimento pessoal e vê que é algo que mudou a vida daquela pessoa”.
O apoio do Rotary Club de Santos – Ponta da Praia mostrou-se fundamental ao longo dos anos para a evolução do projeto da prefeitura, como aponta Aguinaldo Higino Santana, chefe de seção da Secretaria de Desenvolvimento Social. “O Rotary sempre fez reformas e manutenção [nos salões alugados]. O espaço próprio do salão hoje permitiu ao Rotary colocar mais material”, destaca.
Edivania reforça, apontando que, sem o apoio do Rotary, não seria possível ter os cursos com a qualidade que eles têm hoje. Vale destacar também que mesmo quem não estuda no Autoestima também pode se beneficiar do projeto. Como parte de seu aprendizado, os alunos fazem atendimento de cabelo, unha, sobrancelha e barbearia às pessoas que vivem no entorno das duas unidades dos salões.
Juliana Laffront, coordenadora de Desenvolvimento Social, acrescenta o quanto os cursos também agregam a aspectos pessoais dos participantes. “As professoras são ex-alunas e trazem a autoestima de dentro para fora. Isso reverbera não só no sujeito que é encaminhado para a gente, mas na família deles”.
Vera mostra-se orgulhosa dos resultados do projeto apoiado por seu clube, ao ver que, além de capacitar as pessoas profissionalmente, ele também ajuda em diversos aspectos da vida dos alunos. “Eles têm um ganho pessoal muito grande”, completa.
Por Aurea Santos, estrategista sênior de Conteúdo e Relações Públicas no escritório do Rotary International no Brasil
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